domingo, 26 de fevereiro de 2012

Lea T. ELLE Brasil Dezembro


    Dezembro já passou, mas essa edição foi uma das mais vendidas em toda historia da ELLE, Além de toda a repercussão na mídia internacional, o ensaio produzido aqui no Brasil com fotos de Fábio Bartelt foi parar na capa e no recheio da ELLE Bulgária de fevereiro. O foco nesta edição foi mostrar como é a vida de Lea T. a modelo transsexual que vem conquistando espaço no mundo fashion cada vez mais, com quase 30 anos, Lea está no auge de sua carreira, e esta no ranking das 50 modelos mais disputadas do momento.


    Lea T. A modelo apadrinhada pelo estilista da Givenchy, Riccardo Tisci, fala sobre seus obstáculos e suas vitorias na vida e no mundo da moda.


    “Ela é uma mulher frágil e muito romântica. Não é o clássico clichê de transexual: tem uma sensualidade delicada.
Lea não tem estrelismo. É uma pessoa focada, comprometida e doce.
Lea simboliza a quebra absoluta de barreiras entre os gêneros. Espero que todos aprendam com sua postura digna.
Além de estonteante, ela é uma ótima modelo. Tem atitude para estabelecer um diálogo visual com o fotografo.”

     Perto de completar 30 anos, Lea ainda é um rosto novo entre as modelos. Sem nenhuma experiência anterior na frente das câmeras, foi estrela da campanha de inverno 2010 da Givenchy. Mesmo não se achando bonita, participou de shootings de algumas das principais revistas de moda do mundo. É mulher, mas nasceu em um corpo de homem.

 
    A vida de Lea T. sempre foi uma contradição. Mas, para o mundo da moda, que pouco a pouco vem brigando contra a mesmice, essas particularidades fizeram dela uma figura especial, quase única. Diversas campanhas tentam derrubar os limites de idade e sexo, seguindo tendências como o ageless e o genderless. É como se Lea T. pudesse quebrar todas as barreiras de uma vez só, mesmo que nunca tenha escolhido tal missão.

   “Nenhum olheiro me parou na rua”, diz Lea. “Só comecei na carreira por que um amigo me deu uma chance.” O amigo em questão é Riccardo Tisci, escolhido como o cabeça da Givenchy em 2005 para modernizar a Maison. Ele conhecia Lea havia mais de uma década, desde quando ainda era apenas um aspirante a estilista, e a chamou para ser sua assistente em Paris. A parceria não durou muito. “Tisci tinha medo de me ofender ao me mandar fazer as coisas”, conta. “E eu me ofendia mesmo!” Virou, então, a modelo de prova de roupas do estilista, que a considerava “o corpo perfeito”. Em 2010, Tisci colocou suas musas Maria Carla Bosconi e Lea T. na mesma campanha. A ação foi aclamada pela critica por sua diversidade.

    No dia seguinte, Lea estava agendada para fotografar para a Vogue Paris. Fã de uma boa polêmica, Carine Roitfeld, diretora de redação da revista na época, sugeriu que Lea posasse nua segurando seu “material extra”. “Estava aflita, pois Carine era séria e eu queria muito agradar. Era insegura e me sentia horrível”, conta. “Depois de vários cliques, Carine enfim sorriu e me mostrou as imagens na tela do computador. Comecei a chorar e nos abraçamos”.


    De lá para cá, Lea vem fazendo da ousadia a sua profissão. Saiu na capa da revista inglesa Love Magazine beijando Kate Moss (Lea T. e Kate Moss para Love Magazine) e foi garota-propaganda da Blue Man usando biquíni. “Ninguém acreditava que as fotos dariam certo”, diz. Mas deu: “É fácil fotografar Lea. Não é qualquer modelo que consegue entrar em um biquíni e ficar sexy sem ser vulgar”, declara à ELLE Brasil Terry Richardson, o responsável pelos cliques. (Campanha da Blue Man, usando biquíni) Lea batalha bastante, ela é uma vencedora.


“MEXA-SE, MULHER, MEXA-SE!”
    Riccardo Tisci acompanhou a amiga no shooting de ELLE Brasil. A dupla chegou ao estúdio parecendo um casal moderno: ela de vestido nude, com o sutiã à mostra e ankle boots, e ele, de camisa xadrez, óculos Ray-Ban e cabelos compridos e bagunçados. Ela, animada e falante. Ele, tímido e quieto. Foram ao camarim, onde fizeram apenas uma exigência, e de fundo sustentável: copos de vidro, em vez de plástico. Na mala do estilista, dois looks da Givenchy especialmente escolhidos por ele para a amiga ser fotografada. Ela chega com o primeiro: um conjunto estampado. Tisci a dirige de maneira informal: “Abaixa o braço, vira o rosto”. Ela segue confiante. Não parece a mesma mulher que, horas antes, dissera não ser bonita.

    As fotos finalmente estão prontas no computador. “Riiick”, ela chama o amigo para ver. “Bella, bellissima, afirma Tisci ao ver o resultado. “Lea era tão dura no começo”, diz, rindo. “No primeiro shooting, tínhamos que falar: ‘Mexa-se, mulher, mexa-se!’.” Lea deixou para trás o desconforto que tinha com os holofotes e hoje parece se divertir com a câmera. A equipe já tem a foto perfeita, mas ela não se dá por satisfeita. Continua fazendo poses. Tisci acha graça. “Finito, Lea!”, diz, brincando, mexendo as mãos como fazem os italianos. “agora ela não quer mais parar”, fala Riccardo. Ao que parece, Lea não vai parar tão cedo.

MODA:
    “Não foi simples para Riccardo me colocar na campanha da Givenchy. Ele nunca me falou de forma clara sobre o processo, lento e burocrático, mas sei que lutou pela idéia. Eu era – e sempre serei – uma escolha arriscada. Nenhum dos meus trabalhos veio facilmente. Preciso batalhar e insistir mais para convencer as pessoas. Sou uma lutadora e não fujo da briga, mas isso me chateia. Por que usar modelos transexuais não pode ser algo normal? Quando a Givenchy me deu carta branca, eu disse ao Riccardo: ‘Só faço essas fotos se puder contar a minha história’. Ele topou na hora.”


PRECONCEITO:
    “Nós, transexuais, ainda estamos desprotegidas perante a lei. Em uma viagem, ao desembarcar em um aeroporto, uma agente da policia me parou para a revista. Quando ele se aproximou de mim, seu colega, que estava conferindo meu passaporte, gritou: ‘Não ponha as mãos nisso! Não é uma mulher’. Como não sou uma mulher? Se é exatamente assim que me sinto? E como fazê-lo entender que eu não quero ser revistada por um homens? É uma invasão ao meu corpo, um desrespeito. Não foi fácil para meus pais aceitarem minha decisão de mudar de sexo. Minha mãe chorou por dias. Não por falta de consideração, mas por medo, ela já previa os perigos, preconceitos e obstáculos que eu enfrentaria. Que mãe deseja isso para um filho?



AMOR:
    “Essa é uma parte complicada da minha vida. Cresci sendo rejeitada, vista como uma curiosidade. Acho que fiquei um pouco traumatizada com as relações humanas, por isso, sou muito solitária. Já me apaixonei, sofri horrores... Nunca tive bons relacionamentos, talvez por não conseguir me entregar tão facilmente. Meus amigos dizem que sou fria, mas será que seu eu que afasto os outros ou são eles que querem distancia de mim? Vejo que as pessoas não buscam mais o amor. Elas estão atrás de sexo. E eu acho que ele precisa ser feito com respeito. No momento, estou solteira – meu único companheiro é meu cachorrinho de estimação, o Obi – e não fico à espera do príncipe encantado.”


CIRURGIAS:
    “Decidir pela operação de mudança de sexo foi um dos grandes passos para a minha felicidade. O que a torna melhor ainda é que a farei por mim e por mais ninguém! As pessoas me perguntam, quase em tom de cobrança, quando, onde e como vou realizar o procedimento. Ainda estou em fase de pesquisa. Quero escolher o medico com calma. É algo muito dolorido, e não apenas fisicamente, sabe? Ao longo dos anos, já fiz três outras plásticas: reduzi o nariz, raspei um osso proeminente da testa (Lea tem uma cicatriz na linda do cabelo) e coloquei silicone nos seios. Primeiro, coloquei próteses de 270 ml, que me deixaram com peitos enormes, e nenhuma roupa caía bem! Não gostei. Ai troquei por outras menores, de 220 ml.”

FUTURO:
    “Minha lista de sonhos tem projetos pessoais, como ser mãe. Espero que, assim que atingir a independência financeira, eu possa adotar uma criança. Outra idéia seria colaborar com a causa dos transexuais de forma mais efetiva, talvez criando uma fundação.”

    Lea T. personifica essa tendência do mundo da moda que estão cada vez derrubando os limites de idade e gênero e sexo, o que é bem bacana.

FONTE: ELLE Brasil

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